Vida, Morte e Iluminação
Segundo a tradição esotérica, ao entendermos o que se passa com a nossa alma após a morte, podemos aproveitar melhor as oportunidades de evoluir espiritualmente no dia-a-dia.
Por Carlos Cardoso Aveline
A visão esotérica sobre a vida após a morte faz revelações fundamentais sobre o significado da vida aqui e agora. Tudo o que conhecemos no mundo físico é uma combinação de ritmos e princípios eternos com circunstâncias e eventos passageiros; e, do ponto de vista da alma imortal, uma existência humana de 90 ou cem anos é apenas um dia na vida maior do mundo espiritual. Quando investigamos o que ocorre após a morte, podemos compreender melhor a nós próprios e aproveitar as oportunidades que nos rodeiam a cada instante na vida. Reconhecendo a fragilidade da nossa existência terrestre, entramos em contato com nosso melhor potencial interior.
Um instrutor de raja ioga, residente nos Himalaias, fez uma descrição bastante precisa sobre o que ocorre entre a morte e o renascimento. De acordo com ele, cada pessoa revive toda sua existência durante os últimos 30 a 60 segundos da sua vida. O cérebro, o último a morrer, libera então as suas recordações e cada instante da vida desfila diante da visão daquele que se despede. É um momento de lucidez extraordinária. Durante essa avaliação final, estabelece-se a força central resultante de toda aquela vida. Ela será a nota-chave, o impulso básico que dará movimento à alma em todo o processo pós-morte e até o próximo renascimento.
Naquele instante sagrado em que o corpo físico morre e é abandonado, o modelo astral abstrato que conduzia vitalidade para dentro do corpo se desintegra e a vitalidade se dispersa. O ser humano completo já não existe mais: a alma foi liberada do plano físico. Restam, porém, outros níveis de consciência. Terminou o “mundo das causas” e começou o “mundo das conseqüências”. O que ocorrer a partir de agora estará, basicamente, determinado pelo que foi realizado pela pessoa durante sua vida física. A alma navegará nas ondas sutis do carma criado por ela mesma.
Após a morte física, os dois aspectos principais da nossa consciência – o divino e o animal – lutam pelo controle do processo e têm destinos finais muito diferentes. Um desses aspectos é a “casca”, carapaça ou couraça emocional. O outro é o aspecto luminoso, superior e imortal do indivíduo.
As vidas da casca emocional e da alma imortal no plano subjetivo são definidas pelo que a alma fez enquanto habitava o plano físico. Daí a importância de compreender desde cedo o funcionamento futuro desses dois “eus” abstratos, isto é, destituídos de corpo físico. Aumentando a área de influência da alma imortal e tornando a “casca” flexível e aberta à vida espiritual, promovemos nossa elevação em três aspectos diferentes:
• Estabelecemos e preparamos desde já uma predominância do espiritual após a morte.
• Produzimos um conteúdo cármico positivo para as nossas próximas encarnações.
• Nossa vida melhora de qualidade dia a dia, aqui e agora. A verdade é que o tempo infinito está presente no interior de cada fração de segundo. Uma visão correta de longo prazo dá mais significado a cada momento presente.
O primeiro estágio após a morte é o kama-loka, literalmente “local dos desejos”. Mas não se trata de um local, e sim de um estado vibratório da alma. Uma transição. É no kama-loka que ocorre uma luta frontal entre hábitos e desejos instintivos e animais, de um lado, e hábitos e vontades espirituais, de outro. A luta se desdobra durante um período de tempo que varia muito, durando desde algumas semanas até vários anos – até que ocorre a vitória do bem e a força divina se liberta dos impulsos inferiores. A alma entra então em um outro estágio, chamado de “corrente gestatória”, em que se prepara para o seu “renascimento no reino celestial”, ou devachan. Quando o eu espiritual vence a luta contra os impulsos animais, os hábitos e impulsos inferiores, derrotados e destituídos de ligação com o núcleo de espiritualidade, formam uma “casca” ou carapaça que ainda habitará os mundos inferiores por algum tempo, como uma sombra sem direção própria, movida por seus desejos até perder força e coesão. Então ela se paralisa gradualmente e finalmente se dissolve, por sua vez, assim como um dia o corpo físico havia se dissolvido. Resta apenas a alma imortal em “gestação”.
Depois de algum tempo, a alma emerge da corrente gestatória e renasce no devachan, “o local dos deuses”. Como o kama-loka, o devachan não é exatamente um local, e sim um estado de espírito. Ali predomina a energia divina, e a alma colhe os bons frutos das suas ações espirituais. Há numerosas exceções, mas em geral o devachan dura alguma coisa entre mil e quatro mil anos para uma alma que tenha tido uma vida normalmente boa, como a maior parte da humanidade.
No seu primeiro nível, o rupa-loka, o devachan está animado pelas representações espirituais das formas externas. Rodeada dos que mais ama, a alma revive intensamente os acontecimentos mais agradáveis da sua vida passada, em seu aspecto espiritual e elevado. A alma é agora o centro do seu mundo. Não há nem sequer uma sombra de sofrimento. Já no segundo nível do devachan, arupa-loka, dissolvem-se as representações das formas externas. A alma mergulha em um estado de bem-aventurança ainda mais interior, subjetivo e elevado.
A filosofia esotérica define o devachan como um longo sonho bom, um descanso merecido. Mas, uma vez esgotada a necessidade de repouso no mundo celestial, a alma aproxima-se pouco a pouco de um estado em que a ignorância está presente. Fica exposta, então, às suas características cármicas, herdadas de vidas anteriores. E ingressa no processo que levará ao seu renascimento físico. Seus futuros pais e as circunstâncias em que nascerá são definidos por afinidade cármica, isto é, por sintonia vibratória. Gradualmente, a nova “pessoa” se reencontra com os skandhas, as tendências cármicas de suas vidas anteriores. Todo esse material também é atraído para ela pela lei da afinidade, porque a presença da mesma alma imortal em um novo corpo funciona como um ímã para os padrões vibratórios postos em funcionamento em vidas anteriores. Naturalmente, depois da longa experiência do devachan, a alma estará livre para estabelecer padrões novos, melhores e mais sábios.
Esta é, resumidamente, a doutrina esotérica do devachan (1). Ela é importante porque mostra que já estamos preparando, a cada instante, consciente ou inconscientemente, os elementos que travarão a grande luta do kama-loka entre nossa alma espiritual, com seus impulsos nobres, e a alma animal da nossa vida atual, com seus hábitos inferiores. Agora mesmo, neste momento, há em nós uma casca externa e uma luz divina e imortal. A luta do kama-loka – popularizado no Ocidente supersticioso como “purgatório” – é uma mera reprodução, no plano subjetivo, do que ocorre na vida física com cada um de nós. É durante a existência concreta que se criam as causas e se define quem vencerá a luta. Esta é a batalha que se trava constantemente entre luz e sombra na alma humana. É a guerra descrita pelo Bhagavad Gita hindu entre as forças inferiores e o guerreiro do bem. Por isso Carlos Castaneda afirmou que a vida é uma batalha na qual um dos objetivos principais do guerreiro é preparar-se para a morte, isto é, a passagem para o mundo de luz. Ao longo dos milênios, a alma fica muito mais tempo no plano subjetivo do que no plano objetivo, e vale a pena fazer um esforço definido para fortalecer as causas do bem e encontrar a paz celestial enquanto se tem os pés colocados no chão. Para isso, no entanto, é recomendável observar o dia a dia da convivência entre couraça emocional e alma imortal. Vejamos alguns exemplos.
A casca externa não tem ânimo para assumir plena responsabilidade diante da vida. Ao mesmo tempo, comporta-se como se fosse proprietária dos esforços mais nobres da alma. Quando você faz algo por uma causa humanitária ou pelo bem da sua cidade, ela pensa: “O que é que eu ganho com isso?” Ou então a couraça dirá: “Na verdade, eu sou um sujeito de uma bondade e uma sabedoria extraordinárias; minha santidade deveria ser reconhecida por todos.” Quando você se esforça para trilhar o caminho espiritual, a carapaça tenta despertar orgulho em seu interior.
Se você enfrenta um obstáculo ou é derrotado do ponto de vista das aparências externas, a carapaça experimenta uma sensação de desânimo e pessimismo. Você ama sua namorada ou sua esposa. A carapaça quer fazer amor. Você se alimenta para obter a energia necessária. A casca deseja o prazer pelo prazer, e às vezes busca ultrapassar o limite do razoável.
Quando você quer dormir e descansar, a meta é um descanso reparador. Mas a casca poderá levar você ao exagero da preguiça. Você tem o prazer de cumprir o seu dever. A couraça não conhece essa satisfação. Ela fica contente com aplausos.
Quando percebe que errou, você se preocupa em reparar o dano e aprender a lição correspondente. A sua casca prefere esconder o erro ou então atribuí-lo ao mau tempo, ao chefe, ao governo ou a qualquer outro fator externo.
Daí a necessidade de atenção, observação e vigilância para saber quem, afinal, vive mais à vontade em seu corpo físico: sua alma espiritual ou apenas a carapaça emocional. Felizmente a couraça, definida como o conjunto de hábitos e automatismos, pode ser educada. Ela é uma grande auxiliar da nossa vida espiritual. A tradição pitagórica ensina: “Faça o que é correto e, com o tempo, fazer o correto lhe será agradável.”
Nota:
(1) Cartas dos Mahatmas Para A. P. Sinnett, Ed. Teosófica, Brasília, 2001, dois volumes. Veja as Cartas 67, 68, 70A, 70B, 70C, 71, 76, 85A, 85B, 93B, entre outras.
Extraído: http://www.terra.com.br/planetanaweb
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